Cinco Filmes do “DJ” Quentin Tarantino Para Assistir
- Claudemir Guerreiro
- 7 de ago. de 2020
- 21 min de leitura
Atualizado: 14 de ago. de 2020
E depois os outros, claro.

Ok, minha ideia inicial era escrever uma espécie de diálogo. Não saberíamos quem seriam nossos interlocutores. Estariam falando sobre os filmes do Tarantino; sendo um deles fã dos filmes e o outro alguém que conhece a fama do diretor, mas que não sente vontade de assistir nenhum de seus filmes, e que continua assim perpetuamente, mesmo depois de todos os seus amigos indicarem os filmes do diretor de novo e de novo. A questão é que, para esse personagem que não assistiu aos filmes, todas as pessoas com quem conversa são muito enfáticas em dizer que o diretor é bom e que seus filmes devem ser assistidos por vários motivos grandiosos, mas isso não é o suficiente para esse personagem, pois toda essa emoção envolta do diretor e de seu trabalho parece ser deveras exagerada a ponto dele ser tão importante que se você não o assistir, é como se não conhecesse o cinema, ou conhecesse da forma “errada”. Então o amigo que é fã dos filmes do Tarantino e que deseja que o amigo conheça o trabalho do diretor decide convencê-lo sem parecer um fanático. Mas aí vem uma questão: Como vou falar da engenhosidade nos filmes do diretor sem falar dos filmes em si? Entraria então uma discussão sobre spoiler, pois o amigo que não assistiu aos filmes não tem qualquer problema em receber spoiler, e achava que isso era o próximo passo lógico no convencimento de algo, uma vez que a simples isca da curiosidade (em forma de sinopse) não foi o suficiente, mas o amigo que é fã do Tarantino pondera que isso pode estragar a experiência do amigo e fazê-lo, no final das contas, ter a noção de que o diretor não é lá grande coisa, pois ele não se sentiria impactado pelo filme, uma vez que já sabe o que iria acontecer, então o amigo que não assistiu aos filmes volta a falar que é justamente pelo fato das pessoas quererem que o Tarantino seja grande coisa, que a experiência em si já é estragada, pois você assiste seus filmes já condicionado a gostar e...
Mas eu desisti.
Eu tinha a pretensão de fazer algo diferente. Achei então que poderia fazer algo bem tarantinesco, mas acabei cansando e, além do mais, não sabia se estava realmente fazendo algo tarantinesco, e acredito que não possa fazer algo assim, pois só quem é suposto de fazer isso é o próprio Tarantino. E isso me parece um pouco mais confuso (em minha cabeça) no que diz respeito a esse diretor, pois o estilo dele é o estilo que já pertenceu a muitos outros, mas com uma apresentação nova, sendo (seu estilo) de tudo um pouco e não uma coisa só. Mas sendo os filmes do Tarantino algo tarantinesco, não há coisa mais óbvia, então meu ponto é quando vejo um filme lynchiano, ou hichcockiano, ou até uma história kafkiana, que pode ser todos esses ao mesmo tempo, mas não será de quem o fez.
Então lembrei que li um tempo atrás um texto que traz o diretor como um DJ, e que ganha ainda mais significado quando traz o nome Quentin Tarantino. Acho que, definitivamente, essa é a melhor classificação de seu estilo, pois assim como um DJ, Tarantino pega algo que remete a uma determinada época da cultura e o enfia em um novo contexto, junto com muitas outras coisas que remetem a mesma época ou uma época diferente, para assim criar algo novo para pessoas não inseridas no contexto original – ou para aquelas inseridas no contexto original poderem experimentar uma novidade em nome do passado. E estou falando isso não pontuando apenas as músicas em si, que são uma das grandes marcas dos filmes do diretor. A questão são os filmes como um todo, que nos trazem uma referência visual, textual, musical e mesmo na forma de personagens. E tem filmes do diretor que acabam trazendo diferentes resultados em seu trabalho como “DJ”.
Cães de Aluguel e a Moral de Cada Um
Os Dogs são bandidos, alguns dão mais pintas do que outros. Na real, assistindo ao filme todos me parecem criaturas meio sem rumo, que não fazem nada da vida e que só esperam a “grande oportunidade”. Bem, isso até que é obvio, mas minha questão é quanto ao visual e ao jeito de se portarem. É que parecem viver em um teatro armado. A imagem do bad guy. Se porte como mau, Mr. Blonde! Seja relaxado, cool, assassino...louco!
O ponto é que não se trata de mero maniqueísmo, acho que não. Mas acaba por ser um certo fingimento. Todos fingem ser algo mais do que realmente são – devido a velha sensação de que não é o bastante –, seja algo bom ou mau... Talvez fique dependendo da moral, mas, no geral todos querem ser fo... os caras.
Os Dogs são então criminosos dispostos a fazer o que for preciso para ter aqueles diamantes e depois o dinheiro. Mas realmente se propõem a fazer um plano, pois não são suicidas desesperados e não profissionais – que, diga-se de passagem, é essa a palavra: profissional. Todos querem ser profissionais, seja lá o que estejam fazendo. Querem fazer com que tudo saia realmente de forma elegante.
É tudo um ponto de vista ético. Todos são complexos em suas ações. Mr. Pink é claramente sovina. He don’t tip. Porém, Mr. Blonde, que é consideravelmente o mais vilão de todos eles, dá gorjeta sem reclamar. Mas para o Mr. Pink não é apenas não dá gorjeta. É não acreditar na gorjeta. Falado assim, para mim, é mera desculpa, mas então ele passa os próximos dois minutos explicando sua razão para não dar gorjeta, fazendo até o Mr. Orange voltar atrás e pegar seu dólar de volta.
Uma razão que faz sentido, se você procurar entender o ponto de vista do Dog, pois aqui não estamos falando de garçonetes e seu trabalho infeliz, mas sim o que a sociedade espera que você faça pela garçonete. Se você é obrigado a ser bom, então você não é bom, pois a bondade é algo que se faz e não que se deve fazer. Mas, o Mr. Blonde, que até então não sabemos de sua natureza, é o cara que fala que as garçonetes dão duro e não recebem o suficiente. Mas o grande ponto do Mr. Pink é que se você tem um trabalho, então você tem de fazê-lo, e isso é o mínimo. Ele não é contra dar gorjeta, desde que seja merecida – em uma escala próprio que só Deus sabe o quão apurada é – e não como um ato automático. Além dele não ter culpa se alguém escolhe um emprego que é difícil e que paga mal. Isso me elucida um pouco do porquê de um homem como o Mr. Pink ter escolhido essa vida. Digo, como um criminoso. Alto risco, ganhos altos, não aceita ordens e não depende de migalhas de bondade. Mas todo esse papo de gorjeta é só rango para alimentar uma discussão que vai ganhar real forma mais adiante.
Eles têm senso de moral. Realmente não enxergam motivo na matança, e reprovam duramente o Mr. Blonde por seus atos e gritam que ele é um psicopata, com todo desdém que conseguem imprimir no momento, não o querendo mais por perto. Depois eles até mesmo pensam na hipótese de haver um policial disfarçado no grupo, e não querem cogitar algo assim, mais uma vez imprimindo seus sentimentos da melhor forma que conseguem naquele momento. Mas é algo que deveria ser compreensível. Bem, é um jogo difícil, todos devem usar as armas que têm, e estamos do lado que joga sujo, então é de se esperar esse tipo de coisa. Mas não! Isso não é legal, cara! É desonroso, é como envenenar o inimigo. Não dar a ele a chance de lutar é desonroso – espera, quando foi que honra virou uma questão? – Brincar com a confiança dos outros não é legal, cara!
E toda essa questão é visível no final do filme, quando a simpatia se transforma em ódio com apenas uma verdade.
Pulp Fiction e o Sentido do Significado
Pulp Fiction é o filme que tem o início que faz sentido no final. E não estou falando da abertura que finaliza o filme. Na verdade, estou sim, ou mais ou menos. Mas não é exatamente sobre o Pupkin e a Honey Bunny, é sobre as palavras de Ezequiel, que não estão exatamente no início do filme, que são recitadas por Jules Winfield, e que não são verdadeiras, no sentido de que não existem, mas que têm como significado ser uma mera bobagem que Jules diz antes de meter bala em alguém. Mas, apesar de tudo, o que dá significado a algo é a pessoa. Então, mais tarde, o tal “verso” ganha realmente um sentido.
Tudo no filme soa profundo e nem tanto: Um certo alguém se dá mal por fazer uma massagem nos pés da esposa do potrão. Um acha que não faz sentido e que é exagero, enquanto o outro acha que é, pelo menos, compreensível, pois existe um significado ao se fazer uma massagem nos pés. O mesmo sentido de profundidade é posto à prova quando se deve “cuidar” da tal esposa do patrão, enquanto ele está fora.
Outro caso: um trabuco é descarregado em dois engravatados e eles não morrem. Isso é um milagre, e/ou vambora cara, quer ficar aqui até a polícia chegar?
Mais outro caso: O relógio que um pai deixou para seu filho e que tem uma história bem, bem profunda, e um relógio que fica em um enfeite de canguru e que é esquecido na pressa de se abandonar o apartamento. Da mesma forma que os nomes espanhóis têm significado e os nomes americanos não.
Para terminar no par: Uma boa roupa de cama que foi presente dos parentes da esposa do brother do Jules e uma boa roupa de cama que é boa por causa do preço que indica a qualidade da peça e se eu vou te dar uma boa quantia, então você pode comprar uma boa roupa de cama. Assim como a escolha de viver a vida de forma pacífica, um dia após o outro..., e ser um mendigo, isso sim!
Enfim. A vida até aí, para Jules, não tem lá grandes acontecimentos para que se viva fazendo perguntas existencialistas, por assim dizer, e ele até então era o Justiceiro que deitava a vingança sobre seus inimigos. O sentido das palavras de Ezequiel é estilístico, para tornar cada momento significativo, embora não tenha significância nenhuma. Mas é devido à exposição ao “milagre” que tudo muda, e uma cabeça elucidada passa a pensar melhor nas coisas, ou diferente, apenas diferente. O tal verso ganha novo significado pela mudança de contexto, ou pela mudança de visão de quem o viu. Dessa forma, uma simples cena da queda de uma folha no chão pode ser apreciada como uma espécie de mensagem oculta, de que uma vida está acabando. Ou que é simplesmente um mero acontecimento natural, pois folhas não servem de nada e existem aos montes e se uma cai outra vai nascer no lugar – tão inútil quanto a que se foi.
Mas tentar ver uma nova perspectiva das coisas é importante. Foi para Jules, que talvez tenha sido o único que saiu a tempo.
Bastardos Inglórios e a Liberdade Narrativa
Os filmes do Quentin Tarantino são corajosos. Ele sempre escolhe um lado – vamos dizer – mais cru, na hora de abordar seus assuntos, sendo tão cru que passa a ser estranhamente bizarro, como é o caso da tortura sendo algo divertido – levando em consideração que não é divertido para todos os lados –, falo da cena entre o Mr. Blonde e o Sr. Policial ao som de Stuck In The Middle With You. Também podemos ver isso em Pulp Fiction, no paraíso sádico do Zed – mas que não é algo único do diretor, pois basta assistir Veludo Azul do David Lynch (e muitos outros filmes de diversos diretores).
É claro, poderia falar sobre a estética da violência, mas falar assim soa bastante genérico, pois ela está em todos os lugares nos filmes do diretor, além de ser, bem dizer, sua marca registrada – apesar de não ser a única, mas é a mais gritante, pois muitos pegam no seu pé por conta disso –, o tornando diferenciado e clássico.
Os filmes do Tarantino têm então essa fama de serem clássicos cult, ou clássicos instantâneos, que nada mais é do que o reconhecimento dado de forma rápida, mas ao mesmo tempo me faz lembrar daqueles alimentos de micro-ondas, que são o símbolo da nossa sociedade veloz e ansiosa para dar logo uma qualificação a algo, para então partir para o próximo. Tudo deve ser consumido rápido para não se perder tempo, então deve ser instantâneo. Mas não é como se isso fosse algo privilegiadamente atual. Sempre foi assim. Estamos sempre buscando otimizar nosso tempo e tornar a sensação de perda de tempo cada vez menor. Toda a questão é que logo a nova noção de velocidade com que fazemos algo se torna devagar e se faz necessário ir mais rápido, então é preciso sempre aumentar a velocidade. A velocidade é o que sempre nos vende algo: Velocidade de processamento, velocidade com que chegamos à determinada quilometragem, velocidade de preparo..., da mesma forma que sempre buscamos dar total valor ou completo desprezo a qualquer coisa que nos é exposta, pois começamos a pensar sobre essa coisa e então formamos nossa opinião, vem depois a euforia, e o desejo de ter a razão sobre o que essa coisa representa no mundo e, claro, a lutar com unhas e dentes com quem pensa diferente. Toda a questão é que tudo agora está mais barulhento e afobado.
Conheci a existência e o uso da palavra cult com os filmes do Tarantino, depois os filmes franceses da Nouvelle Vague e mais tarde todo o resto. Comecei a dar valor aos filmes do diretor, não porque eram bons, mas porque eram considerados bons, também não sabia o que era um filme cult, o que era obvio, pois aprendi a palavra vendo ela sendo usada e não através do conhecimento do significado, então para mim um filme ser considerado cult era muito, por conta da minha visão ignorante. Mas depois de assistir tantos filmes cult, cheguei à conclusão de que isso é banal. Realmente gostei dos filmes do Tarantino, e se eu continuasse com minha visão de que todo filme cult é bom, ou que todo filme é bom porque é cult, então teria que engolir todo tipo de tédio e as coisas mais toscas que se é possível colocar em tela. Algumas são tragáveis, mas não vale todas. Porém a verdade é que sempre tem quem goste, e isso é o cult. No final, basta ter muita gente em volta que vai, sem dúvida, ser cult.
Agora é o gancho para Bastardos Inglórios:
Muitas críticas fresquinhas – que vieram logo que o filme saiu – trazem uma certa inquietação, pois o Tarantino, mais do que nunca, até o momento, trouxe algo polê... digo, corajoso. A ideia de reescrever a história de forma divertida, e digo divertido no sentido de se sentir livre para criar, realmente vem com um peso grande, muito devido ao assunto, mas também pelo perigo de se parecer insensível, caso não trate os eventos com a delicadeza, vamos dizer, aceitável e merecida. Acho que o Tarantino levou muito isso em conta durante a escrita da história de Bastardos Inglórios e estudou bastante sobre o assunto. É por isso que, acho eu, que ele se permitiu reinventar os acontecimentos da guerra de forma tão livre. Mas é claro que o lado que não gostou é passível de ser compreendida, pois estamos falando de um momento marcante pelo podre. E no filme temos o personagem mais marcante como um oficial nazista, que tenta prezar por sua fama e que é totalmente insensível, então o que se pode ler nas críticas negativas é justamente a dificuldade de se desprender da realidade.
Porém, em uma análise do filme em si, é possível concluir que essa obra é, de fato, mais do que qualquer falta de respeito aparente – e que foi consideravelmente ignorado pelos críticos que não gostaram do filme –, sendo uma homenagem ao cinema. Sabe aqueles filmes de carro que exibem um grande possante com todos os seus cavalos e sua bela lataria..., assim como filmes que dão closes em armas, para que aqueles de mentalidade bélica possam cultuar o mercado armamentista..., bem, em Bastardos Inglórios o alvo é o cinéfilo, que vai se deliciar com todos aqueles rolos de filmes inflamáveis e projetores antigos. Bem como aquela fachada do cinema, onde o destaque da vez era feito com letrinhas, formando o nome do filme, e que para isso você tinha de subir em uma escada para fazer o título, trocar as letras ou mudar sua ordem para formar um novo título, e essa ação interditava o caminho dos transeuntes que tinham que passar por debaixo da escada, ou, se fossem supersticiosos, tinham de mudar de calçada, ou simplesmente ficavam e esperavam para ver qual o próximo filme que seria exibido. Além, é claro, do cinema em si, que é um prédio único, que tem como única função espacial a exibição de películas (só para evitar o desgaste da palavra filme), que hoje em dia se faz raro, sendo o cinema uma mera atração de shopping (que, por outro lado, é prático).
Esse filme, sem dúvidas, representa uma grande maturidade do diretor. Não é mais violento do que o seu sucessor, em termos gráficos, devo pontuar, mas eu o considero o mais violento em termos gerais. Claro que tudo que chamo de “geral” é gráfico, mas está ali, invisível. Se trata de uma violência mais sutil e silenciosa. O que pode torná-la pior do que qualquer grito de uma Luger ou uma MP40. Toda essa violência está presente logo no início do filme, na abertura, no capítulo um; vai de sua precisão nomear as articulações dos filmes. Toda a cena da visita dos soldados alemães à fazenda francesa é, por si só, uma situação desconfortável, seja lá por qual motivo for, pois não acredito que soldados nazistas visitavam famílias francesas para tomar café – ou leite. E nos é apresentado o melhor personagem que o Tarantino já escreveu e já desenvolveu em cena (na minha opinião), Hans Landa. E a cena toda é bem calma, amigável, poliglota, e... quando que vai dar errado? Estamos falando de nazistas que estão procurando uma família judia, e é então que a violência silenciosa começa. Claro, em termos de silêncio, não existe silêncio, embora haja algumas pausas de dar nó na garganta, mas aqui vemos Landa machucar o pobre camponês francês com todo seu carisma e seu olhar frio, porém nada ameaçador – pelo menos no início –, penetrando fundo na cena e quebrando a harmonia daquele belo campo, que, diga-se de passagem é o primeiro de muitos cenários belos que têm esse filme – e diga-se mais de passagem ainda, todo esse filme me parece um teatro, mesmo sendo sobre cinema, inclusive no título do filme, que me parece um musical da Broadway. Depois temos a apresentação dos Bastardos, que são criaturas adoráveis, sendo um mais bizarro do que o outro, e sua missão em território francês. Depois vemos mais uma vingança sendo pintada, e lá vamos nós em uma França ocupada pelos nazistas.
Django Livre e Mais da Mesma Liberdade Narrativa
De novo, Quentin Tarantino é um cara corajoso, ou, pelo menos, desprendido o suficiente da preocupação de se sentir pressionado pelo barulho que vem de fora – onde é esse fora? Eu não sei.
Com Bastardos Inglórios vemos a história da Segunda Guerra Mundial ser reescrita de forma, digamos, satisfatória e bem gritante, pois acredito que quem assiste ao filme pela primeira vez não acha que ele vai ter o desfecho que tem. Matar nazistas é algo até rotineiro em filmes de guerra, e ninguém se sente realmente ofendido em ver chucrutes sendo assassinados, e assim Tarantino nos proporciona aquela satisfação sem culpa. Embora seja uma satisfação barata e que não muda em nada coisa alguma. Mas o filme também nos traz a clara maturidade do diretor, sendo, talvez, seu auge criativo, construindo cenas bem montadas e bem escritas, como é o caso da abertura, a cena em que vemos os bastardos trabalharem – onde, inclusive, é o momento em que o Tarantino faz sua ponta –, a cena do bar e a Premiere, que acontece na parte final do filme. Todas essas cenas – com exceção da abertura – são divertidas – agora, incluindo a abertura –, tensas e escalonam para algo impressionante.
E novamente, a crítica foi dividida para esse filme.
Certo número de pessoas pode achar essa experiência o suficiente para uma só carreira, e que tal barulho não se faz necessário repetir. Mas então que me pergunto se Quentin Tarantino leva em conta o que a crítica diz sobre seu trabalho, ou se simplesmente não está nem aí. Mas também considero que, se tratando de arte, quando se faz muito barulho em relação a algo, esse algo tende a ganhar muito, seja lá se, no final das contas, for uma crítica positiva ou negativa. Então acredito que o Tarantino não se vê alheio a essas críticas, mas apenas não se deixa influenciar por elas – talvez ele já tenha até se pronunciado quanto a isso, mas não tenho disposição o suficiente para procurar em um mar de artigos sobre ele e suas falas uma coisa mais específica. Acho que acabo de tornar esse texto consciente de si mesmo.
Enfim, praticamente repeti o que já escrevi antes, pois o filme passado está ligado ao filme Django Livre. Não apenas em cronologia, mas porque considero Django Livre um pouco mais do mesmo que foi Bastardos Inglórios. Isso não é ruim, assim como não acho decepcionante o Tarantino fazer um Western duas vezes seguida, com o filme que veio depois.
Django Livre é um Western que, até onde sei, é o tipo de filme favorito do diretor – principalmente os Spaghetti. Então seria a tão aguardada visita do Tarantino ao gênero, embora algumas características do estilo já tenham dado as caras anteriormente na filmografia do diretor.
Quando falo que Django Livre é um pouco mais do mesmo, estou falando em um sentido que vai até mais além do próprio filme. Tarantino decidiu fazer mais um filme em mais uma época conturbada – mas parando para pensar, qualquer época é conturbada, pois no final das contas tudo muda e nada acaba, apenas muda e muda – na história da humanidade, e mais uma vez tomando liberdade criativa total para retratar todo acontecimento da forma que quiser. Mas é claro que Django Livre é diferente de Bastardos Inglórios em termos narrativos, isso é, ele em si.
O filme é igualmente uma certa homenagem, se fazendo inspirar pelo gênero Western, mais especificamente ao filme Django (1966), que eu não assisti, logo não posso falar nada além da referência obvia do título (que também é o nome de ambos os protagonistas). Django Livre também tem as cenas que escalonam para algo inesperado – ou, talvez, difícil de se esperar –, porém com decisões precisas, que faz o filme ficar com um toque único, como uma mixagem de uma música do 2Pac e James Brown, que é tocado em determinado momento do filme. A violência sutil também está no filme, porém ela é mais como um tormento que aflige o Schultz, diante de toda a crueldade da américa, tendo ele vindo de uma terra mais evoluída – sei..., sem contar a calma levada em uma cena. Em Djando Livre temos a cena, logo depois da sequência em que Django conhece seu europeu salvador, onde Schultz (ele mesmo, o europeu salvador) e Django (sim, o mesmo Django) entram em um bar que ainda está fechado e que, com o desenrolar da trama, fica apenas os dois, por algum tempo. Schultz vai então preparar duas canecas de cerveja, com toda a calma, e que recebe toda a atenção da câmera. Apenas como comparação: Em Bastardos Inglórios temos a cena do leite, no início do filme, e mais tarde a cena do Strudel, que tem de se esperar o creme primeiro, para que só depois venha a experimentação. E, é claro, a experimentação. Sinto uma similaridade de ritmo entre Django Livre e Bastardos Inglórios.
E tem a crítica, que foi, no geral, bem receptiva, embora tenha, claro, acontecido críticas negativas, e todas elas tocam, como já é de se esperar, na forma como o diretor retratou aquele período, o que, mais uma vez, é passível de ser entendido, se realizarmos um pequeno exercício, que é entender a cabeça do outro.
Esse filme é também um dos mais violentos do diretor, inclusive em derramamento de sangue, ficando atrás apenas de Kill Bill – eu acho. Inclusive, acho o fato das pessoas em Django Livre serem como se fossem balões de sangue vivos a principal característica desse filme. As explosões de sangue são, sem dúvida, algo muito marcante.
O filme também é mais simples do que o anterior, o que não o faz ser ruim, pois se trata de escolhas, o importante é como você executa, pois não adianta nada planejar algo enormemente pretencioso e não realizar bem. E a boa história do príncipe que vai resgatar sua princesa, quando bem contada, é bem-vinda. Django Livre, a meu ver, é uma história que se torna mais heroica em sua parte final, mais precisamente quando ele está finalmente liberto – logo depois da cena em que Tarantino faz sua aparição – e vai cavalgando salvar sua amada. Para mim, essa é a verdadeira liberdade do personagem Django, diferente do começo do filme, quando ele é solto de seus grilhões pelo Dr. King Schultz, mas fica comprometido a uma missão, o que o deixa preso ao Dr., o que torna toda essa ação não uma real liberdade – o que Schultz tem plena noção – e é por muito menos, como favores e dívidas – sejam elas morais ou financeiras – que as pessoas ficam escravas umas das outras.
Kill Bill e a Vingança Como Referência
Em Django Livre tem uma sequência em que é feita uma referência ao filme de 1966 (Django), e mesmo não tendo o assistido e não conhecendo o ator (Franco Nero), eu achei toda a cena intrigante – da primeira vez que o assisti e não sabia do que se tratava. E mesmo depois de saber do que se tratava ainda não conhecia o ator ou o filme, mas não foi difícil achar toda a homenagem interessante. Imagine que você gosta de algo e consome esse algo como se fosse a essência de sua vida, e o resultado é que você decide fazer esse algo que tanto gosta e realmente começa a fazer esse algo que tanto gosta, e pode então trazer para sua realidade o que você tanto gostou, mas que sempre esteve distante de você... Quebrar a distância entre o admirador e o admirado é algo sempre legal de se ver.
Mas essa não foi a única vez que o Tarantino fez isso. Em Jackie Brown, por exemplo, nós temos a atriz Pam Grier, que atuou em filmes blaxploitation, que é um movimento cinematográfico do qual Tarantino é fã. Além de toda a sua cinematografia, que está repleta de referências e homenagens, sejam elas sutis ou bastante claras, estando em pequenos detalhes ou sendo o filme inteiro, como é o caso dos filmes Jackie Brown e À Prova de Morte. Mas talvez a maior homenagem/referência seja Kill Bill.
Esse filme é uma divertida história de vingança, que acho que em si, já é uma homenagem. A vingança é, talvez, um dos objetivos mais velhos, não da história dos filmes ou da literatura, mas da história da humanidade. Pois talvez o objetivo mais velho seja o da conquista, pois o homem sempre quer mais (ou tudo) e em algum momento ele vai tomar algo de alguém. E no curso da história alguém vai sempre perder alguma coisa.
E a Noiva perdeu muito.
A trama é das vinganças mais simples – embora vingança seja sempre uma ideia simples. É apenas no final da primeira parte que a simples vingança se torna também na reconquista de algo tomado da personagem. A coisa mais oculta da história talvez seja o nome da protagonista, e, de resto, é lavar sangue com sangue.
A simplicidade é bastante perceptível na forma mundana como a vingança é montada. Através de uma lista. São cinco nomes de cinco pessoas que tentaram te matar, não e tão difícil lembrar (ou não é tão fácil esquecer) deles. Mas, mesmo assim é feito uma lista, pelo simples prazer de riscar o nome e ter assim a recompensa mental de ter o trabalho realizado. Mas essa não é uma crítica negativa – se quer é uma crítica –, apenas uma observação.
A história, sendo uma vingança, nos faz aguardar os acontecimentos e então a resolução. Não é como se a história fosse se transformar em algo, tornando a vingança sem sentido. Inclusive acho a vingança uma história difícil de concluir. Porque eticamente a vingança não é uma coisa boa. Então, se você quer uma história positiva quanto a isso tudo, o personagem vai descobrir que o caminho que está trilhando não vale a pena, voltando atrás, ou continuando, mas dessa vez trilhando o caminho para o perdão e todos os sentimentos bonitos que todos nós já conhecemos e que é difícil de cultivar. Do contrário, o personagem vai fundo na vingança e descamba para se tornar alguém que não faz mais sentido, ou que já não vê nenhum sentido. Então a história vai se alto destruir, perdendo qualquer graça, ou empolgação, ou motivação – seja lá qual for o motivo que te prenda a essa trama – e mostrará que esse caminho não tem fim, ou se tem, não é bom o suficiente para um depois. Pois todos sabemos que um fim é seguido de um depois. Mesmo a protagonista morrendo, o mundo não vai acabar, e mesmo que o mundo acabe, a imensidão do universo ainda vai ser imenso... E... Já teve alguma história que acabou com o universo?
A questão é que, em vista toda a perda da Noiva, consigo vê-la como a personagem que já não vê sentido, e que talvez não pense no depois do fim.
Pelo menos até o final da primeira parte.
Mas a história se faz engenhosa na hora de ser contada, pois é aí que está seu diferencial. Pois se o plot é simples, o miolo não é assim tão simples. Começando com a segunda pessoa da lista, que é, para nós, a primeira, pois seu desenvolvimento é mais simples, e mais fácil de executar. Pois o que é tocar uma campainha se comparado ao esforço de se pegar um avião e... Estou me adiantando, ou voltando antes da hora. Enfim. Essa sequência inicial nos serve como um espelho. Temos o lado que deu certo e o lado que deu errado. Vernita Green vive a vida que a Noiva gostaria de estar vivendo, e isso foi tirado dela, então ela vai tirar da antiga parceira também. É então a continuação da vingança, com a conclusão de uma pequena vingança.
Agora o filme avança voltando para trás e contando o primeiro passo complicado da vingança. Aqui temos O’Ren Ishii, que traz consigo muitas coisas. Primeiro o sentido desta primeira parte do filme, que é a tal da homenagem aos filmes asiáticos, com bastante destaque ao Lady Snowblood, filme de 1973, que foi a maior influência para o Kill Bill, mas que não assisti, então gentilmente passo por cima. É nessa parte do filme que temos os aspectos visuais mais conhecidos por todos. Digo, acredito que todo mundo conheça as lutas de um contra todos, que são rápidas e mortais. Além da vestimenta da Noiva, que é, indiscutivelmente, uma referência à vestimenta do Bruce Lee, no filme O Jogo da Morte. Também temos a Noiva atrás de uma arma especial, e para isso tem de conquistar a confiança de um mestre ranzinza, que de início parece ser menos do que realmente é – interpretado por mais um dos heróis do Tarantino –, mas que fará uma espada de valor e qualidade incalculável. Segundo temos a personagem (O’Ren) em si, que se forjou através de uma vingança – e nesse momento nada é melhor para contar a origem de uma personagem japonesa do que uma tradicional animação japonesa –, então ela sabe bem como o jogo funciona. E tudo culmina então na luta bem coreografada – sendo quase uma dança – entre a Noiva e O’Ren Ishii, em um cenário também bastante característico e bastante emotivo, eu diria. Temos então um pouco sobre a filosofia oriental no que diz respeito ao ato de lutar, consistindo em ver seu inimigo não como um mal absoluto.
E o que resta então de cultura asiática no volume dois do filme fica por conta do treinamento da Noiva, pelo mestre Pai Mai, que também é um clichê, sendo ele um personagem sábio, habilidoso, mesmo tendo uma longa – postiça – barba branca e bastante rigoroso, levando seu discípulo ao extremo.
A outra parte do filme se parece mais com um Western. Principalmente pelo cenário desértico e pelo próximo alvo da lista, que é uma espécie de cowboy inútil, mas que, só para contrariar, é o único que consegue derrotar a Noiva, pelo menos temporariamente. Tem a Elle Driver, que é a loira fatal, sempre bem vestida, discreta e que desfila. E é claro, Bill, que é o grande objetivo, bastante oculto, e que, no final das contas, não é lá grande coisa...
Ok, o monólogo sobre o Superman é legal, e a luta à mesa também é legal...
Tudo bem, tudo bem, no máximo o Bill já foi f***.
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