Herbert West: Reanimator – resenha.
- Lucas Rodrigues Cândido
- 16 de out. de 2020
- 7 min de leitura
Lovecraft sem ser Lovecraft.
Howard Phillips Lovecraft (1890 – 1937) foi um renomado escritor estadunidense que revolveu o gênero terror, atribuindo elementos fantásticos e cósmicos em suas narrativas. Filho único de Winfield Scott Lovecraft e Sarah Susan Phillips, o pequeno Lovecraft foi criado pela mãe, suas duas tias e avô, Whipple Van Buren Phillips. O escritor, dês dos seis anos de idade, escrevia seus próprios poemas, sendo sempre encorajado por seu avô que lhe comprava livros como as versões infantis de Ilíada, a Odisseia de Homero e histórias clássicas do terror gótico. Quando seu avô faleceu em 1904 a família do escritor viveu um intenso estado de pobreza, logo, tiveram que se mudar para acomodações menores e insalubres, o que prejudicou a saúde frágil de Lovecraft e em 1908, ele teve um colapso nervoso, o que impossibilitou a entrega de seu diploma de graduação do ensino médio, dessa forma a sua entrada na universidade sofreu diversas complicações. Lovecraft seguiu como escritor, mas voltando seus olhos apenas para poesia. No ano de 1917, publicou seu primeiro trabalho profissional na revista Weird Tales, o conto chamado Dagon. O tempo passou e Lovecraft continuou escrevendo outras obras como: O Navio Branco, Os Demónios de Randolph Carter, A Cidade Sem Nome. Mas o que nós iremos comentar hoje foi um trabalho menor do escritor, publicado em seis partes pela Home Brew entre fevereiro e julho de 1922, chamado de Herbert West: Reanimator.
O conto conta a história do médico Herbert West e seu fiel amigo sem nome, na incessante busca pela ressureição. A narrativa é em primeira pessoa, mas especificamente, sendo a visão do companheiro de West.
Na primeira parte da história, somos apresentados aos dois personagens centrais, estudantes de medicina da Universidade Miskatonic (universidade fictícia que posteriormente seria relembrada em enredos futuros do escritor), o narrador e West. O conto segue nos contando a grande teoria de West, onde os corpos humanos nada mais são do que máquinas orgânicas complexas e que se desligados – no caso, mortos –, poderíamos simplesmente “reinicia-los”. West então desenvolve um soro e que, após testa-lo em diversos seres vivos do reino animal, se sente pronto para começar seus estudos em corpos humanos. Dessa forma, os dois estudantes montam um laboratório em celeiro de uma fazenda abandonada e contratam um grupo de homens para roubarem túmulos de um cemitério próximos, mas nenhum dos experimentos consegue funcionar, fazendo com que os personagens roubassem os corpos por eles próprios. Em uma dessas invasões ao cemitério, eles decidem saquear o corpo de um trabalhador civil que morreu pela manhã. Depois de levarem o corpo para o celeiro, West injeta o seu soro que a principio não deu nenhum resultado, mas, mais tarde naquela noite, um grito é ouvido de dentro do celeiro. Os personagens, motivados por puro instinto, fogem. Entretanto, West acaba derrubando uma lanterna – que na época eram feitas a óleo – e provocam um incêndio acidental. No dia seguinte, o jornal noticia que um túmulo foi molestado violentamente e que traços de garras foram encontradas no local.
A segunda parte do conto continua a narrativa dias após o incêndio. Agora as pesquisas de West são interrompidas pelo Dr. Allen Halsey, reitor da faculdade de medicina, que impede o acesso a cadáveres humanos ou ao laboratório de dissecação da universidade. Em contrapartida, uma epidemia de febre tifoide se estala e o narrador e West são chamados para auxiliar a cuidar das vítimas. Dessa forma, West vê uma nova forma de injetar o seu soro, que acaba não tendo muito efeito, tirando o fato de abrir os olhos de alguns corpos. Entretanto o Dr. Halsey acaba sucumbindo a tifoide. Então, West e o narrador roubam o seu corpo e injetam o soro que, de fato, reanimam Halsey, mas por conta da deterioração do cérebro, o antigo reitor ataca os dois estudantes e foge. O espécime acaba realizando diversos assassinatos até ser parado pelas autoridades que o internam em um hospício.
Na terceira parte, os personagens, agora formados como doutores, se mudam para Bolton, comprando uma casa perto do cemitério local, para felicitar o trabalho no soro de West. Em uma caminhada em busca de um novo espécime, os doutores acabam se deparando com apostadores que apostavam em uma luta de boxe ilegal. Ao ver que um dos boxeares não resistiu aos ferimentos e sucumbiu, os doutores rapidamente o levam para a casa. Ao injetarem um novo soro no boxeador, nada acontece. Com a falha, os doutores enterram o corpo. Dias depois, um casal acaba perdendo o seu filho, uma criança, e a mulher acaba contraindo uma doença. West vai de encontro ao casal para examinar a mulher, mas em um ataque de histeria, ela acaba morrendo. O marido culpou West pela morte da esposa e jura o doutor de morte. Naquela mesma noite, os doutores escutam uma batida forte na porta. Esperando pelo marido, West pega uma arma e vai de encontro a porta. Mas ele é surpreendido pois quem batia era o boxeador, reanimado, com o braço de uma criança entre os dentes. Sem pensar duas vezes, West desfere seis tiros na criatura que morre definitivamente.
Na quarta parte, algum tempo depois da morte do boxeador, o narrador resolve tirar férias e então, visitar a família. Quando retorna ele percebe o cadáver perfeitamente preservado de um homem na casa que ele divide com West. O doutor então explica que, durante sua ausência, ele aperfeiçoou um tipo de fluido de embalsamar, que preserva o corpo perfeitamente. West diz que o morto é um caixeiro-viajante que teve um ataque cardíaco durante um exame físico. O homem morreu diante dos olhos de West, logo, se viu com um novo espécime em mãos. West injeta uma versão do soro mais recente e os sinais de vida começam a surgir de forma gradativa. Quando questionam o homem, ele pronuncia as palavras aparentemente com racionalidade, mas o soro ainda não estava completo e perto do fim o espécime começa a gritar e se debater violentamente, revelando em um grito horrível que fora assassinado por West.
A penúltima parte começa cinco anos depois do último teste do soro e agora os doutores estão na Primeira Guerra Mundial, servindo como médicos em Flandres. West, agora, não se prende mais a um simples soro que consegue devolver a vida a um ser humano completo, suas experiencias estão cada vez mais brutais, ao ponto de separar diversas partes dos corpos ao tentar reanima-los e misturar genes de lagartos com o liquido. No meio do campo de batalha, West fez amizade com um oficial comandante e colega médico, Major Sir. Eric Moreland Clapham-Lee, e começou a compartilhar sua teoria e métodos de reanimação. Algum tempo depois Clapham-Lee morre após seu helicóptero ter sido abatido pelo inimigo e quando West se informa do ocorrido, começa a trabalhar imediatamente em seu corpo que quase sofreu uma decapitação. West, após retirar a cabeça do major e costurar seu pescoço, injeta seu soro. O corpo começa a se mexer desesperadamente e a cabeça separada começa a gritar do outro lado da sala, mas infelizmente o prédio é destruído por uma bomba. Os dois doutores sobrevivem e retornam para casa. O corpo, ou a cabeça, de Clapham-Lee nunca foi encontrado nos destroços.
No final, um ano após a volta da guerra, West se mudou para uma casa que está diretamente conectada a um antigo sistema de catacumbas da época dos colombos. Em uma noite, ao passar a vista no jornal, West se depara com a noticia de que o hospício em que Halsey estava foi invadido por um grande homem com uma cabeça deformada, carregando um tanque em mãos. Esse homem, junto de outras figuras, liberou Halsey. West, depois de ler a notícia começa a ficar catatônico e, na mesma noite, um grupo de homens aparece em sua porta. O narrador é quem atende e uma das figuras o entrega uma grande caixa. Quando West vê a caixa, percebe que o remetente está como Clapham-Lee e sem pensar duas vezes, ele resolve queima-la. Ao descer para o porão e mergulhar a caixa nas chamas, os dois doutores começam a ouvir um estranho som vindo de trás de uma das paredes. A parece se rasga e revela um bando de criaturas, juntamente com o estranho homem carregando um tanque em mãos. West, vendo a sua morte eminente, se entrega. As criaturas começam a rasga-lo o mutilando e vários pedaços. Após terem o que queriam, reconstruíram a parede e deixaram o narrador vivo naquele lugar. Dias depois do desaparecimento de West, o narrador é investigado, mas, mesmo contando a verdade sobre o ocorrido, ele é taxado de louco, passando o resto dos seus dias assombrado, pelo acontecimento que ocorreu e pela falta de resolução em relação aos cadáveres erguidos.
Herbert West: Reanimator tem uma inspiração quase escrachada em Frankenstein e infelizmente é considerado uma obra “pobre” de Lovecraft que, na época, relatou estar insatisfeito com o trabalho devido as exigências como a de que cada parcela terminasse com um gancho e que os começos teriam que vir com uma recapitulação do episódio anterior. Mas apesar de tudo, o conto pode ser visto como um Lovecraft sem Lovecraft, o que para alguns leitores pode ser um bom respiro no meio de sua mitologia cósmica aterrorizante. Apesar de Lovecraft receber diversos elogios por sua obra, uma grande mancha pode ser encontrada na leitura, o seu racismo. Em algumas descrições de Herbert West: Reanimator, principalmente na parte do boxeador, que é negro, o seu método descritivo diz: "O negro foi nocauteado e um breve exame nos revelou que ele assim ficaria. Ele era uma coisa grotesca, parecida com um gorila, com braços anormalmente longos que eu não poderia evitar de chamar de patas dianteiras (...). O corpo deve ter parecido ainda pior em vida – mas o mundo contém muitas coisas feias". Apesar de tudo, o conto, em si, não deixa de ser uma boa leitura e o terror ainda é perturbador e bizarro.
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